7 Mil Milhões de Outros (Museu da Electricidade, 2015)



A exposição 7 mil milhões de Outros tem um espólio de entrevistas incontável, que ausculta milhares, talvez milhões, de habitantes do planeta.

Conhecemos homens e mulheres que queriam ser pilotos. Que, talvez, nas suas terras, fossem os únicos com esse desejo. Mas conhecemos outras pessoas com outras histórias, que vivem em outros lugares, e que também tinham esse sonho.

Conhecemos homens e mulheres com boas recordações de infância. Alguém que se lembra do cheiro da mãe. Conhecemos quem não tenha. Alguém que se lembra de ver a morte da mãe, envolvido nos seus braços.

Conhecemos quem tenha sofrido numa guerra; e quem sofra, por ter feito sofrer.

Conhecemos quem tem medo que Deus não exista, e quem tem medo que Deus exista.

Conhecemos quem nos diz directamente: amo-te.

7 mil milhões de Outros foi uma exposição que me deixou inquieta, pelo simples facto de haver tantas entrevistas para ver. Isto é, melhor dizendo, tantas pessoas para ouvir e conhecer. Pessoas que não nos vão conhecer a nós. Mas que nem por isso nos tira o desejo de as compreender. O problema está no facto de serem tantos. No entanto, é natural que seja impossível ouvir todas as pessoas do mundo. De qualquer forma, este sabor que nos deixa na ponta da língua, de não podermos acabar de ver a exposição, pode ser saudável se for bem alimentado.

É que estas pessoas são pessoas normais. Não são diferentes de nós. Mais ainda, não são diferentes das pessoas que vemos a passar na rua, no metro, no comboio, e que nós nunca abordamos. Mais ainda: não são diferentes dos nossos amigos e conhecidos. A quantos já teremos perguntado qual é o sentido da vida? O que é a felicidade? Qual o seu maior medo? A primeira recordação da sua infância?

E a nós mesmos? Saberemos responder a essas perguntas, e a tantas outras?

Diz a famosa, cliché, frase, todos diferentes, todos iguais, mas coloco a situação:
Incomodou-me ouvir um homem, noutro país, dizer que a vida dos homens e das mulheres é, actualmente, muito semelhante, e referindo ele mesmo, como excepção fulcrais pormenores que os distinguem como sendo o recolhimento do corpo diferente da maneira ocidental, e o respeito pelo homem que deve ter. Por acaso, na mesma sequência de vídeos ouvi também uma mulher dizer o contrário, e que as mulheres têm de reagir.

Mas a questão é que, ao ouvir este homem, num primeiro instante senti-me afectada e ultrajada. Num segundo momento, aquilo que me ocorreu foi: então e eu? Eu, que vivo em Portugal, julgar-me-ei detentora de uma qualidade de vida assim tão melhor? E detentora da verdade? Quais são os defeitos que alguém nesse país me apontaria? O que ando a fazer de mal? Não sei detectar ideologias dentro do meu próprio paradigma, e isso ocorreu-me nesse momento e colidiu contra mim.

Como mensagem, houve quem questionasse o espectador com perguntas do mesmo género que lhes foram colocadas a eles. Conheci quem me perguntasse quais são as minhas preocupações, o que é o amor. Quem me dissesse que me ama. Quem me pedisse para respeitar as vacas. Quem me dissesse para não me esquecer dela, a própria mulher que falava.

Terminei a minha visita à exposição com os testemunhos sobre Deus. Decidi que seria a sala que me iria acalmar. Não veria tudo, mas, como alguém que acredita em Deus, quis ouvir o que estes homens e mulheres tinham a dizer sobre o assunto. Conheci alguém que não defendeu directamente a sua opinião acerca de Deus, referindo no geral o que pensava sobre a sua geração - que a mesma não acreditava nEle. Conheci alguém que reza todos os dias ao seu Deus. Conheci alguém que sente uma clivagem entre religiões, e alguém que defende não haver diferenças entre elas. Acertei na sala, ou então, acertei na força de vontade para mudar a disposição, sabendo que não veria tudo, pois esta sala relaxou-me. Nela, acalmei-me. Foi nela que me senti mais especialmente parte da humanidade.

O facto é que nunca poderei ouvir todas as pessoas do mundo. Nem conhecê-las. E esta exposição, na sua megalomania, prima por deixar essa sensação.

No entanto, que melhor término para uma exposição poderia eu ter tido senão aquele que tive? Uma exposição que me apresenta, me dá a conhecer, 7 mil milhões de Outros; que me deixa com a sensação de que nunca conhecerei os que não vi; nem sequer os que vi...

Julgo não poder ter uma introdução melhor do que cumprimentar uma pessoa (re)conhecida; nem melhor conclusão do que conversar com a mesma.

Posso não vir a conhecer 7 mil milhões de Outros; nem, mesmo aqueles que vi falar, posso vir a conhecer no concreto. Mas nada melhor do que este meu terminar: conhecendo alguém. Em concreto, conheci-a.

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