Flipped: Um filme que nos troca as expectativas e dá um todo maior que as partes



Uma das catch-phrases de Flipped é a cliché expressão “O todo é mais do que a soma das partes”. Esta é uma questão que é proposta a uma dos dois protagonistas, perto de meio do filme. E é segundo esse desafio que se pode perguntar de que lado está a classificação deste filme? E a resposta é: o todo é, de facto, mais do que a soma das partes.

Genuinamente, pode dizer-se que, tal como esta frase, há vários clichés que polvilham este todo, o que torna a narrativa previsível; rapidamente se percebe que haverão muitas trocas (flips): de ideias, de atitudes; de uma relação de amizade cheia de desencontros. Não é a mais original das linhas de narrativa, aparentemente; excepto por uma razão.

Uma das outras “partes” deste todo é a forma como a narrativa é desenvolvida. Havendo dois protagonistas, é apresentado, para cada conjunto de cenas, o ponto de vista de cada um deles. Até o ecrã voltar atrás para repetir uma parte da história, no entanto, a audiência pode esquecer que isso irá acontecer. A realização joga com esta dessintonia das personagens ao usar diferentes técnicas e até, discretamente, diferenciar o final do resto do filme.

Parte de Flipped está, também, em mostrar este “todo” através do cenário e contexto histórico. A época de 1960 é clássica e ideal para as dinâmicas do filme. Os adolescentes vizinhos, que andam de bicicleta e se cruzam diariamente; as relações entre as vizinhanças, como oferecer ovos aos moradores em frente; e as relações inter e intra-familiares soam a isso mesmo: a familiaridade e confiança, à possibilidade da vida suburbana. Reconhecem-se inevitavelmente um retrato desta época e estilo de vida sem que isso se torne o centro das atenções. No entanto, alguns detalhes podiam ter sido melhor aproveitados: em especial, a narrativa construída em volta da Sycamore Tree, que promete mais do que aquilo que dá: umas breves filmagens da paisagem vistas do topo da mesma – brilhantes e arrebatadoras, mas apenas isso: breves.


Esta não é a única promessa não cumprida, entre outros detalhes que são usados e largados apenas para continuar a narrativa, sendo deixados então para trás, pendentes, sem mais explicações, como a personalidade do pai de Brice e a faceta de pintor do pai de Julie. Denuncia-se a falta de atenção para com estes aspectos. Estes reflectem-se em casos como a pintura do pai de Julie: numa cena, aproxima-se do impressionismo, com grande atenção à paisagem; noutra, a pintura da árvore preferida da filha é plana e tem um fundo absolutamente indiferente, branco e descontextualizado.

Os actores não são excelentes, mas têm grande espaço de manobra para o desenvolvimento das personagens, o que acaba por compensar algumas falhas de expressividade, que se tornam, assim discretas. Os protagonistas representam a infância, um come-of-age ternurento.
Quanto à banda sonora, embora não seja especialmente coerente, feita propositamente de raiz, torna-se adequada, especialmente com as músicas ligadas à época histórica em que se desenrola.

Nem tudo é negativo, no entanto. Na verdade, como já foi dito, o todo deste filme é mais do que a soma das partes. Apesar de alguns detalhes serem esquecidos, tornam-se refrescantes em si mesmos; e acabam por ser esquecidos também pela audiência, numa aceitação de que nem tudo tem de ser explicado. Afinal, no fundo, este é um filme sobre um primeiro amor que podia muito bem não ser sobre um primeiro amor. Nele encontra-se uma inocência da infância que proporcionam momentos engraçados não forçados; a simplicidade de um filme relaxado de verão, sobre família, amizade, e o doce sabor das conexões entre vizinhanças numa época propícia a tal; bem como algumas questões mais sérias, tratadas com respeito, autenticidade e carinho.

Não sendo um filme genialmente marcante, garante, no entanto, o prazer de ver uma história simples e agradável, enquanto se desenrola um desenvolvimento de personagens, de protagonistas jovens, no 8º ano, mas também das suas famílias – duplamente, por dois pontos de vista de cada vez.

Não há que esquecer que a soma das partes pode ser mais ou menos do que o todo. E neste caso os clichés existem; mas também são quebrados; e fazem um todo razoavelmente bom, maior que as partes.


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