The Reluctant Saint (1962) - S. José de Cupertino, um santo discreto e humilde


O Santo Relutante é o nome de um filme americano dos anos 60. Possui muitas características típicas de um filme dessa época, desde a realização, à actuação, às personagens e à narrativa e humor. O filme é a preto e branco e passa-se em Itália.
A história que o filme narra é adaptada da biografia de um santo do século XVII: Giuseppe de Cupertino (José de Cupertino).

O filme é uma adaptação do que se sabe da vida so santo. Assim sendo, a personagem Giuseppe de Cupertino é um jovem de uma família pobre que se vê já ser envolvido na crença religiosa católica. Giuseppe é, no entanto, alvo de chacota por todos os que conhece, e até mesmo uma desilusão para a sua mãe, pelas dificuldades de socialização e responsabilidade na sua vida. É um jovem simples, que não gosta de estudar, por ter dificuldade cognitivas; mas que mantém sempre uma boa disposição e é muito humilde. Mesmo depois de ser gozado, perdoa e dá novas oportunidades; e quando sente que não cumpriu os seus deveres, por incapacidade ou por acidente, arrepende-se.

Eventualmente, entra na ordem religiosa dos Capuchinhos, onde o seu tio parece ser o abade e o acolhe com reticência. Nem mesmo entre os irmãos ele é aceite; sofre muito com o menosprezo que têm por ele e pelas suas limitações.

O filme explora a personagem, inicialmente, como um 'burro'; como um simplório, incapaz, diferente. Parece aproveitar-se dessas características da personagem para fazer cenas de comédia, num humor muito típico dos filmes dos anos 60; para nós, no entanto, é causa de compaixão e incompreensão para com os outros, fazendo pôr em causa a credibilidade das outras personagens pelo exagero de antipatia das mesmas.

O filme desenvolve-se mostrando as diferenças entre a humildade de Giuseppe e a arrogância dos seus irmãos, da pobreza, simplicidade e obediência dele e da ambição de estatuto dos irmãos. Giuseppe quer ser pequenino, como um burro no estábulo; não deseja mais que isso; deseja precisamente estar "entre os seus", como ele próprio afirma.
Em volta dessa atitude da personagem, o filme acaba por mostrar o seu percurso até chegar a padre, e as suas experiências de êxtase espiritual milagrosas de levitação que o levaram a ser mais amado e respeitado pelos outros frades, e também o conduziram a uma canonização no século seguinte.

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O Santo Relutante é um filme muito envolvente e interessante. É, sobretudo, uma lição sobre humildade, obediência e pobreza. Cada momento do filme ensina que a santidade está nas coisas pequenas. O jovem que não se sentia digno de ser consagrado, o consagrado que não se sentia digno de mais do que trabalhar nos estábulos, o seminarista obediente que não se sentia digno de ser padre... mas sempre mantendo a sua personalidade simples e humilde.

É bonito ver como Giuseppe quer apenas servir a Deus naquilo que lhe é pedido, e que se resigna contente às tarefas mais indesejadas pelos outros. É nesta atitude que é descoberto pelo bispo que o encaminha para a formação de seminário.

O bispo é a figura paternal e inteligente que se encontra com Giuseppe como ele é e que o compreende e quer conhecer; é com ele que temos o privilégio de descobrir os conhecimentos teológicos de Giuseppe, e a simplicidade com os explica, mostrando, finalmente, ao público, a sua espiritualidade profundamente intensa, e mesmo a sua capacidade de catequizar os outros.

No entanto, enquanto a personagem de Giuseppe é aprofundadamente explorada e desenvolvida, e mesmo complexa, a maioria das outras personagens do filme deixam muito a desejar.
É um erro comum em filmes religiosos mostrar o egoísmo e arrogância de padres ou de consagrados, vilificando-os a pontos questionáveis. Mesmo noutros filmes há antagonistas pouco desenvolvidos; mas é especialmente perigoso encarná-los em figuras que, na verdade, fazem votos de obediência e pobreza e, mesmo que tenham uma personalidade arrogante por natureza, teriam sempre, regra geral, um propósito de ser melhores.

É por isto que é mais ou menos desculpável ver Giuseppe ser maltratado por crianças da sua cidade, mas não é tão aceitável a recorrência ao menosprezo e julgamento dele por parte dos capuchinhos, em especial, o Padre Raspi. Ainda assim, este é uma personagem inteligente, como é possível ver na sua atitude, por exemplo, na cena em a mãe e o tio de Giuseppe o pressionam a entregar-se numa vida consagrada. O filme parece procurar vilificá-lo, mas acaba por mostrá-lo, simplesmente, mais sábio, quando o padre Raspi insinua que é Giuseppe quem deve decidir (discernir), e não eles próprios. No entanto, quase arriscaria dizer que foi por acidente, pois o tom do filme insinua maldade e não sapiência.

Há, também, um aspecto importante a fazer notar deste filme. Refiro-me ao realismo da história e das personagens. Conheci este santo a partir deste filme, e ele acicatou-me a vontade de o conhecer melhor; mas, embora seja um filme muito envolvente e mesmo teologicamente acertado e inspirador, a história de Giuseppe do filme tem algumas diferenças com a história do verdadeiro São Giuseppe.
Após posterior investigação, é negligenciado um aspecto tão simples como o facto de o verdadeiro Giuseppe não ter conhecido o seu pai; enquanto no filme, este morre enquanto ele já está no convento, com 20 anos. Também é questionável mostrar a sua primeira experiência de êxtase espiritual como sendo uma levitação enquanto rezava com um busto da Virgem Maria, quando, segundo a história, ele já tinha tido muitas outras experiências espiritualmente ecstáticas desde os 8 anos, embora não envolvessem essas manifestações físicas de teor miraculoso. Isto explicaria em parte o seu défice de atenção, que acaba por ser, no filme, associado a uma personalidade 'simplória' e limitada.

Por fim, é também interessante denotar toda a ligação à metáfora do burro. A vezes em que ele próprio se associa ao estábulo e a esse animal; as vezes em que os outros o tratam como um burro; as cenas de profunda espiritualidade que se passam no estábulo. Tudo isto faz uma ligação entre a humilldade e pobreza franciscana e mesmo a questão da amizade de São Francisco com os animais, mais desenvolvida aqui na amizade de São Giuseppe com os seus animais.

O Santo Relutante mostra um São Giuseppe incrivelmente amoroso, humilde e fácil de amar, na sua simplicidade aliada a uma profunda espiritualidade. Não mostra outros aspectos da sua história, desde as outras experiências de êxtase aos sofrimentos espirituais que teve; mas é, sem dúvida, um filme muito bem realizado, com grande qualidade cinematográfica e com uma narrativa envolvente e interessante, como um bom filme dos anos 60; com o extra de ser também espiritual e teologicamente desafiante, e um chamamento à santidade. Um filme simples, como São Giuseppe, e que nos chama a ser simples.




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